Em carta dessa data ao seu amigo Emílio Garcia Barbosa, autor de vários livros sobre o Sul de Mato Grosso, Guimarães Rosa, que visitara Mato Grosso em 1947, relembra os campos de Vacaria, reduto dos Barbosas Marques, pioneiros da região. Na íntegra a missiva do autor de Grande Sertão, Veredas:
Rio, 21 de fevereiro de 1964
Muito prezado amigo Emílio G. Barbosa
Pelo nosso caro Raul Floriano, tive a alegria de receber, com a simpática e cordial dedicatória, meu exemplar do Panoramas do Sul de Mato Grosso.
E nem sei bem agradecer-lhe a gentileza da lembrança, o delicioso, valioso presente.
Comecei imediatamente a leitura, devorei-o logo, já o reli quase todo, tomei muitas notas, vou guardá-lo perto de mim com cuidado. E duvido que alguém tenha gostado mais dele do que eu. Lembrei-me daquela conversa , aqui, em casa do Raul: o livro, que naquela ocasião, eu lhe pedia que escrevesse, é justamente este, que tão excelentemente realizou.
Nas suas páginas, percorri a forte e bela terra da Vacaria, de sua infância até hoje, "vivi" aquilo tudo.. Vi-me com o massapê da saudade, na Barbosalândia, em encontro com o tenente Galinha, reverenciando o genearca Joaquim Gonçalves Barbosa Marques, rindo-me do bom inglês James Burr, assustando-me com os índios que se concentram para o ataque mediante simulados pios de mutum e avançam pondo a macega a movimentar-se sem vento. Viajei com o menino que demandava, para o estudo, Barbacena; estive na revolução com o fazendeiro patriota mato-grossense.
Sorvi o bafo do campo largo, o berro dos bois, toda a vivência de uma gente sadia e brava, ao longo do tropear das boiadas, esse mundo autêntico de sentimento, pitoresco, variado e sincero. Comi leitão assado com mandioca, e entrei em bailes rústicos e madrugadas trabalhosas. Não me esquecerei dessas pessoas, paisagens e bichos. Não esqueço o boi Laranjo. Apreciei imenso as passagens no genuíno linguajar nativo - gostoso como o tererê, como a guavira. Deu-me vontade de voltar um dia a esse Mato Grosso meridional, que me deslumbrou tanto: rever Aquidauana, Nioaque, Miranda, Dourados, a fazenda Jardim e o 'buraco do Perdido'. Tudo isto lhe devo à sua fidelidade sentimental ao chão seu e à sua capacidade de reproduzi-lo e retratar seus fastos, através da memória do coração. Continue, peço-lhe. Escreva mais assim. Dê-me tudo da Vacaria. Obrigado, muito obrigado.
Com o melhor abraço amigo,
do seu
Guimarães Rosa.
A visita de Guimarães Rosa ao Sul de Mato Grosso teve um breve registro no jornal "O Estado de Mato Grosso", (Cuiabá) na edição de 21 de setembro de 1947:
"Guimarães Rosa, já hoje um grande nome na literatura brasileira, esteve em Mato Grosso, numa caravana de gente curiosa. E voltou de Corumbá com uma definição de NHANDUTI tão bela quanto a própria renda paraguaia: NHANDUTI - fios de amido e amor, rijo aranhol constelado, espuma em estrias".
A viagem do autor de Sagarana e Grandes Sertões:veredas, por outro lado, foi pormenorizada pelo próprio visitante em artigo publicado em 17 de agosto de 1947, no Correio da Manhã (RJ). CLIQUE AQUI e leia o artigo na íntegra.
FONTE: Emilio Garcia Barbosa, Esboço histórico e divagações sobre Campo Grande (2a. edição), Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2010, página 209.
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