Sempre patrulhando seguiram o rio da Prata e quando estavam para chegar no Passo da Aroeira, algo chamou a atenção do Horácio, o mais novo dos Santos ali na captura.
Fazia uma manhã fria e nevoenta perto do rio, e a cerração serpenteava seguindo o curso do Prata pelo meio do cerrado. O Orcírio, o Alcides e mais três companheiros iam na frente e o Dinarte, com o resto do grupo, ia a uns cem metros atrás. Orcírio ia discutindo com o Lito Ferreira.
- Sabe, Orcírio, nesta mesma hora passamos por aqui da outra vez.
Lito se zangava à toa e o Orcírio só para provocá-lo olhou o seu relógio como se estivesse conferindo a informação. O relógio marcava 9:15 horas do dia 18 de maio.
Nisso o Horácio exclamou:
- Lá vem um grupo!
Orcírio virou o rosto e viu o grupo que vinha fora da estrada, a cerca de trezentos metros. Falou como se analisasse consigo mesmo:
Campeiro não pode ser nesta hora. Vamos reconhecer!
Normalmente o campeiro sai na madrugada e nessa hora já estaria devorando o seu arroz carreteiro ou tomando seu tererê.
Virou o corpo sobre o apero e fez a senha para o Dinarte para que ele avançasse, e assobiou para o Alcides que ia mais na frente, mas ele não escutou. Mandou o negrão Fortu galopar e avisar o Alcides.
O grupo que era o bando do Jacques, ainda não tinha visto os dos Santos e vinham a passo lento meio acobertados pela neblina, varando a beira do mato, uma restinga de chirca.
E lantamente iam passando.
A cem metros na retaguarda do grupo ia um cavaleiro puxando um bagual e foi esse que primeiro viu a captura.
Os que iam na frente na captura apuraram o trote e galoparam para se aproximar. O tipo que cabresteava o bagual tentou apurar o trote, mas o bagual não quis acompanhar. Em desespero cortou o cabresto e largou o animal. Deu um curto assobio, sinal do perigo e o grupo se virou. Todos viraram com os cavalos, e os lenços vermelhos apareceram...
- São eles mesmo, rapaziada! - gritou o Orcírio.
E já atropelaram o bando numa louca disparada. Sem dar um tiro começaram uma correria, com intensa gritaria, como se atropelassem gadaria chucra.
Depois de cerca de um quilômetro de disparada um se desgarrou do bando, montado num rosilho escuro e galopou em direção ao alto de um morro. O Dinarte tentou atropelá-lo mas o cavalo não rodou, o mesmo acontecendo com Antônio Garcia.
Orcírio gritou ao Horácio:
- Olhe lá naqueles cerrados é capaz deles querer se entrincheirar, mas vocês não deixem! Do jeito que vão vocês metem em cima e deixem aquele por minha conta. (...)
Selvino balanceava o Povoeiro ao lado da cerca para evitar ser atingido e atirava com o fuzil de canhota, na expectativa de ferir alguém da captura, fato que lhe daria tempo para a fuga.
Desistiu de atirar e puxou o alicate cortador de arame da presilha da guaiaca e se inclinou em cima do Povoeiro para atorar o primeiro fio do alambrado.
Sentiu a forte pancada da bala acima do rim esquerdo, sentiu o chumbo quente em sua trajetória mortal rasgando o interior do estômago e escapulir por baixo da axila direita. Com o golpe da bala do fuzil escorregou da montaria e bateu o rosto no mourão, cambeleou e caiu. O Antônio Paim e o Bica Braga rapidamente arrastaram-no para mais perto do mourão da cerca, para protegê-lo de outro tiro.
- Ajudem-me ... segurem-me... - pediu ao Trovão, que perplexo o fitava incrédulo.
A Raída, entendendo que o seu homem queria brigar e tomada de uma raiva surda, num movimento brusco escorou-se no mourão e abraçou-se por detrás de Selvino e o soergueu, foi quando puxou e levou o quarenta-e-quatro na mira. Sua mão já não empunhava com tanta firmeza a coronha do revólver, mas a determinação era grande.
Do outro lado do brejo um deles mirava com o fuzil. Certamente fora aquele que o acertara. O Selvino mirou na altura do seu rosto e atirou. Viu o tipo sentar junto com o estampido do quarenta-e-quatro, acertou. Do outro lado o Horácio descia lentamente para o chão, baleado na testa.
Selvino morreria no dia seguinte e Horácio dos Santos morreu minutos depois de ser baleado.
FONTE: Brígido Ibanhes, Selvino Jacques o último dos bandoleiros, o mito sul-matogrossense, 2a. edição, João Scortecci Editora, S.Paulo, 1995, página 280.
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