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Cólera derrota retirantes de Laguna


Retirada da Laguna, quadro de Ruy Martins Ferreira


Em 15 de junho de 1867, o médico Cândido Manuel de Oliveira Quintana libera relatório sobre a epidemia de cólera-morbo durante a retirada das tropas brasileiras do Apa:

Havendo V.S. exigido de mim uma parte sobre a epidemia e ferimentos havidos na expedição de Mato Grosso, passo muito profunctoriamente a expender o seguinte: Que no dia 10 de maio, na Bela Vista, foi-me trazido à consulta um índio que sofria de diarreia abundante e que no dia seguinte faleceu. Este doente, por causa da longa marcha e dos muitos outros que tínhamos a tratar, faleceu, sem que tivéssemos bem observado sua enfermidade. No dia 17, as 11 horas da noite, pouco mais ou menos, entraram mais dois enfermos para a enfermaria, os quais atraíram a atenção pelos grandes gritos que davam em conseqüência de câimbras e pela semelhança dos sintomas de ambos que eram: grande sede, supressão de urina, vômitos, evacuações alvinas abundantíssimas, resfriamento das extremidades; e no dia seguinte, os que morreram estavam desfigurados pela magreza de rosto, então julgamos que tínhamos em presença a horrenda epidemia da cólera-morbo, que no dia subseqüente tornou-se pela entrada de muitos atacados com o sintomas seguintes: vômitos, evacuações alvinas abundantes de uma matéria semelhante à água de arroz, grande sede, dispnéia, pulso pequeno freqüente, supressão de urinas, mudança extrema no metal da voz e mesmo afonia, pele fria, cianose, magreza e desfiguramento rápido de rosto, etc. A falta de víveres, de barracas e roupa suficiente na estação do inverno, muito deveria concorrer para aumentar o número de atacados, os quais, entrando nas enfermarias, também aí não achavam abrigo contra as intempéries. Os medicamentos no fim de poucos dias estavam todos acabados. As marchas muitas vezes o dia inteiro, algumas vezes de noite, a péssima condução em carros puxados a bois, em que os doentes comprimiam-se mutuamente, pela exigüidade de espaço, deviam ter grande parte no acréscimo da mortalidade, que era de quase todos os atacados. Afinal todos os carros foram queimados por necessidade: os doentes eram conduzidos em padiolas por soldados enfraquecidos pela fome, estropiados, que se recusavam a carregá-los e que os deixavam atirados no caminho sempre que o podiam fazer. Os são já mal eram suficientes para carregar os doentes, sendo preciso caminhar com presteza, pois já nenhum alimento tínhamos além das poucas reses que puxavam a Artilharia. À vista disto, foram os doentes da cólera-morbo deixados no pouso por ordem superior, no dia 26 de maio. Até o dia 1º de junho a epidemia ainda não tinha cessado. Nesse dia tendo as forças começado a marcha, quase à noite, debaixo de chuva fortíssima, caminhou seis léguas. Durante este trajeto, que terminou no dia 2 à tarde, morreram alguns coléricos e no dia 3, o último doente grave dessa enfermidade que ainda restava.. Nesse dia a epidemia cessou. 


FONTE: Taunay, A retirada da Laguna, 14a.edição, Edições Melhoramentos, São Paulo, 1942, página 173.

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