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Trava-se a batalha de Porto Murtinho




Dá-se  em 10 de setembro de 1932 a batalha de Porto Mutinho, confronto bélico decisivo para os destinos da guerra civil de São Paulo em território do sul de Mato Grosso:

E era, de fato, de todos os lados que o governo federal apertava o cerco. A oeste, no sul de Mato Grosso e especialmente ao longo do rio Paraguai, travava-se em setembro violentos combates. A fronteira paraguaia era porta vital ao exterior para os constitucionalistas, e, já em julho, o governo procurava fechá-la, criando um destacamento sob o comando do major Leopoldo Néri da Fonseca e subordinado a Rabelo, cuja missão, em combinação com a flotilha de Mato Grosso, era barrar o rio. Quando, em agosto, Néri começou a mobilizar forças locais, os rebeldes controlavam Bela Vista e Ponta Porã, enquanto a base de suas operações era Porto Murtinho.

No início de setembro uma coluna rebelde de mais de mil homens marchou sobre Porto Murtinho, onde Néri esperava com oitocentas tropas de regulares e voluntários. O alto comando no Rio de Janeiro apressadamente ordenou a flotilha em Ladário que seguisse com "toda urgência" para Porto Murtinho, o que resultou no envio do monitor Pernambuco àquele local. Na tarde do dia 10, o ataque começou, continuando até o dia seguinte. As deserções do lado federal foram freqüentes, e Néri ameaçou fuzilar soldados que fugiam da linha de fogo, reparando a certa altura que várias chatas e uma lancha estavam lotadas de tropas suas que pretendiam fugir para o outro lado do rio porque a munição escasseava. "Há duas maneiras de quebrar-se: ou como a borracha, esticando pouco a pouco, ou como o aço temperado, que se rompe sem demonstrar o que vai fazer”, gritou Néri a um oficial retirante. "Se tivermos de quebrar, quebraremos como o aço"! Com isso, de metralhadora na mão, obrigou os soldados a evacuarem as embarcações e voltarem para a frente. A intervenção do Pernambuco, bombardeando as posições rebeldes, decidiu a batalha depois de vinte e duas horas de luta.¹

Combatente constitucionalista dá a sua versão desta batalha:

Eram precisamente 13 horas quando se deram os primeiros choques das nossas vanguardas com as vanguardas do inimigo, dentro da mata densa, que circunda aquela cidade, nas proximidades dos primeiros postos entrincheirados.

Estabelecido, logo, o aviso para as nossas diversas linhas, iniciou-se a ofensiva contra as posições defendidas pelos governistas.

Avançava na vanguarda a cavalaria e, por traz desta, vinha a infantaria e a artilharia. No centro, sobre a estrada que corta a mata em direção ao porto, os primeiros a tomar contato com o inimigo, flanco direito da coluna atacante, são os pelotões comandados pelo capitão Hermenegildo Costa Lima, onde serviam o dr. Adolph Calandrini, tenente Albertinho Fróes, irmãos Escobar, capitão Sizenando Garcia. Os pelotões, por dilatado espaço de tempo, enquanto a infantaria operava em marcha de progressão, sustentam renhido fogo, para depois tomarem posição no mesmo flanco, onde se achavam o coronel Waldomiro Correa e sua gente, o dr. Aral Moreira, tenente Ventura, capitão Bezerra, além do coronel Theóphilo Azambuja e seus comandados. E, juntos todos passaram a formar essa ala direita. (...)

O fogo da artilharia, de parte a parte, era intenso, sendo a do inimigo protegida pelos canhões 120 de bordo do monitor Pernambuco, da flotilha de guerra do Ladário, estacionada no porto. Nos rápidos silêncios do canhoneio ouvia-se o estralejar de dezenas de metralhadoras. Só da nossa parte estavam em ação 14 pesadas e 33 leves.

Ao cair da tarde, conseguiram os nossos artilheiros localizar o monitor Pernambuco que nos estava hostilizando tenazmente, com as granadas que despejavam as suas peças 120, obrigando-o a se deslocar rio acima, de onde com mais violência e melhor efeito, passou a bombardear a nossa posição. Antes, porém, por sua vez, a aviação ditatorial havia logrado determinar a nossa posição exata, o que nos obrigou a avançar mais 600 metros, mais ou menos.

Durante a noite progrediram continuamente as nossas tropas, sob o fogo do inimigo que recuava, até que pela manhã já nos encontrávamos a dois quilômetros apenas, da cidade.

Crepitava a fuzilaria incessantemente, sob os estouros das granadas e o ribombo da artilharia.

O canhão revólver ditatorial, situado bem sobre a linha férrea, em frente à posição onde estava o tenente Duprat, não se cansava de expectorar secamente. Ouvia-se distintamente a pesada ‘Maxim’, de 500 tiros por minuto, cantar roucamente enquanto que as metralhadoras leves não deixavam um segundo de costurar nossas posições.

À noite a mata se iluminava repetidas vezes, com o relampaguear dos canhões. E ali, bem ao lado do dr. Calandrini, tombava morto um inditoso moço, municiador de uma das metralhadoras.

O 18 B. C., a alma do combate, lutava nobremente. Seus oficiais tenente Sampaio Simão, Larocque, Tourinho e Ferreira, zombando da morte, destacavam-se de pé na linha de fogo, dando as vozes de comando. (...)
Chocavam-se neste combate cerca de 2500 homens, dominando sempre os constitucionalistas, numa pressão constante e no desalojar os governistas de alguma trincheira.

Murtinho não caiu pela falta absoluta de munição. Apesar disso os constitucionalistas fizeram uma retirada em perfeita ordem, sem serem hostilizados até se concentrarem em São Roque.²


FONTE: ¹Stanley Hilton, 1932 A guerra civil brasileira, Editora Nova Fronteira, Rio, 1982, página, 142. ²Umberto Puigari, Nas fronteiras de Mato Grosso, terra abandonada...Casa Mayença, São Paulo, 1933, página 190.

FOTO: monitor Pernambuco, da flotilha de Ladário.



Comentários

  1. Lí muitas histórias sobre a "REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932" mas não sabia que minha cidade natal (Porto Murtinho) registrou esse episódio do movimento que foi travado contra o governo federal.

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