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Paranaíba contra a divisão do Estado

Prefeito Francisco Faustino Dias


Com o movimento divisionista em plena efervescência em todo o Sul do Estado, liderado por Vespasiano Barbosa Martins, o município de Paranaíba, por meio de suas principais autoridades constituídas, decide-se contra a separação. A posição foi formalmente definida em longo manifesto assinado em 30 de janeiro de 1934 e endereçado ao interventor federal em Cuiabá, Leônidas de Matos:

Como legítimos interpretes do sentir e das aspirações do povo do histórico município de Santana do Paranaíba, a sentinela avançada do nosso grandioso Estado de Mato Grosso, nas fronteiras do estados irmãos de Goiás, Minas e S. Paulo; com as responsabilidades históricas que lhe decorrem, como município e cidade primaz desta unidade do "hinterlande" brasileiro, diante da campanha impatriótica, inoportuna e improcedente, separatista iniciada na cidade de Campo Grande, por pessoas às quais faltam credenciais para falar à Nação, em nome do povo matogrossense, pois dele, em sua maioria, não são filhos, nem a ele prestaram serviços que lhes outorgassem tamanho direito, vimos, pela presente representação, trazer à Vs. Exas., lídimos e legítimos representantes do nosso querido Estado, a manifestação espontânea e sincera e entusiástica de nossa solidariedade no repúdio a tão nefasta tentativa.

Não reconhecemos motivos imperiosos de ordem histórica, social, econômica ou geográfica que traduzam o imperativo de se parcelar ou mutilar a integridade do território matogrossense, destruindo a sua unidade política no concerto do demais Estado que formam a federação brasileira. Seria trair e desonrar o inestimável legado dos nossos maiores.

Inestimável reserva econômica do nosso país, pelas suas incalculáveis riquezas naturais, pela sua riquíssima rede potamográfica, pela uberdade de suas terras feracissimas, pelo crescente desenvolvimento de suas indústrias, principalmente a pecuária, o mate e a cultura da cana de açucar, Mato Grosso será, em futuro não muito remoto, pelo trabalho construtivo de seus filhos e dos irmãos de outros estados, que lhe trazem o seu concurso, um dos mais prósperos estados da nação brasileira, contribuindo para a grandeza desta formosa e privilegiada pátria do continente sul-americano.

Não existem nem jamais existiram antagonismos de origem, entrechoques de interesses econômicos ou rivalidades justificadas entre os filhos da região Norte, Centro e Sul do Estado. Elas se integram e se completam, pela unidade de seus ideais, pelos seus comuns anseios de progresso, pelo sadios espírito de confraternização, que estão a exigir, cada vez mais, a unidade, a integridade e a intangibilidade do território matogrossense.

Unidade federada, com 1.500.000 quilômetros quadrados, para somente 400.000 habitantes, disseminados nas suas várias regiões, este reduzido número de matogrossenses e brasileiros, herdeiros da audácia e da coragem dos antigos bandeirantes, continua a desbravar sertões, a pontilhá-los de cidades, vilas e povoados, a criar indústrias, agricultura, comércio e a fazer crescente conquista no campo das profissões liberais, mantendo sempre aceso o lábaro do mais sadio e elevado patriotismo.

Não procede a disparidade alegada da contribuição para o erário estadual pelas populações do Norte e Sul do Estado, porque a ciência sociológica e política condena este critério, para manutenção ou desagregação de estados e países, pois a criar-se este precedente, a separação de Mato Grosso,hoje, justificaria, amanhã, o absurdo de se dividir o nosso grandioso Brasil, pela verificação, já não contestada, de que os estados do Sul (São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul contribuem com 2/3 das rendas da União! Princípio que nenhum brasileiro digno desse título aceitaria!

Por estes e outros motivos, cada qual mais justifica, e que não escapam ao conhecimento de Vs. Excias., auscultada a opinião pública unânime deste histórico e vasto município, como a elite da sua sede, podemos assegurar a Vs. Excias., o completo repúdio a tão nefasta tentativa, afirmando mesmo que não nos arreceamos de um "plebiscito" pelo qual se afira a vontade do povo matogrossense.

Tanto mais impatriótica e inoportuna é a campanha separatista, quando o país, combalido por duas fundas comoções políticas, que o fizeram estremecer nos seus alicerces, marcha, atendendo aos justos anseios do povo brasileiro, para o retorno ao regime constitucional e para cujo desideratum se impõe um ambiente de paz, de confraternização e de conjugação de esforços de todos os bons patriotas.

O eminente chefe do governo provisório, consciente das suas enormes responsabilidades, honrando o momento histórico que vivemos, num gesto largo e nobre de patriotismo, devolveu o grande Estado de São Paulo à posse de si mesmo, vem aproveitando os verdadeiros valores, onde quer que estes se encontrem, sem estreito partidarismo, política sábia e construtiva que sem sendo seguida com elevação e firmeza pelo ilustre sr. Interventor federal neste Estado, atitudes e orientação que criaram o ambiente de tranquilidade nacional, no qual se vem processando os trabalhos da memorável 3a. constituinte do Brasil independente e 2a. do Brasil República.

Nós, matogrossenses, de nascimento ou de coração, devemos nos colocar à altura dessas atitudes e dessa elevação, estabelecer em nossas fronteiras a concórdia geral, esquecer ressentimentos, irmanarmo-nos todos num só anseio, numa só aspiração - a devolução do país ao regime legal, renovado, pela implantação de novas diretrizes, mais consentâneas com as nossas aspirações, com o ambiente brasileiro, com o nosso grau de cultura, com as conquistas liberais, dignas da civilização hodierna.

Queriam pois Vs. Excias. receber a manifestação da nossa solidariedade, pela união e integridade do nosso Estado e levá-la ao conhecimento do governo provisório e da augusta Assembleia Constituinte, como do país.

Com a segurança da nossa estima, saudamos a Vs. Excias., cordialmente.

Waldemir Neves, juiz de direito; Jorge Bodstein Filho, coletor estadual; Francisco Faustino Dias, prefeito; João Filgueiras, 2° tabelião; Arsênio Moura, escrivão da coletoria estadual; Gustavo Rodrigues da Silva, fazendeiro; Melanias Leal, 1° juiz de paz; Ubaldino Correa da Costa, negociante; Joaquim Evaristo de Queiroz, funcionário público; Antonio Garcia de Freitas, promotor de justiça; Leozoro Rodrigues de Almeida, fazendeiro, João Cassiano do Nascimento, proprietário; João Dantas Filgueiras, secretário da prefeitura; Vicente Faustino Franco, delegado de polícia; Eponino Garcia Leal M. do C. consultivo; João Valim, professor; Osvaldo Brandão, distribuidor do foro, Edu Neves, farmacêutico; Nahim Agy, comerciante, José Pereira dos Santos, carpinteiro, Olavo Filgueiras, funcionário municipal; João Inocente do Nascimento, barbeiro; Antonio Neves do Nascimento, tabelião do 1° ofício; João Ferreira Leal, escrivão do distrito; Emílio Martins Ferraz, proprietário; Ovídio Alves Pereira, fazendeiro; Salomão João, comerciante; José Severino da Cunha, funcionário municipal; João Luiz da Silva Santos, fazendeiro; Joaquim Lucas de Oliveira, fazendeiro; Cid do Espírito Santo, 2° tenente; e Manoel Gomes Otero, negociante.


FONTEJornal do Comercio (Campo Grande), 10 de março de 1934.
FOTO: reprodução do livro Santana do Paranaíba, de Hildebrando Campstrini (2002)

 


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